sábado, 12 de dezembro de 2009

POETA ENAMORADO



“Nas trevas brilhou uma”. Este é um grito de natal, que começa a ecoar neste terceiro Domingo de Advento, chamado Domingo “Gaudete”. Também num período tenebroso, como foram os nove meses que São João da Cruz esteve no cárcere do convento de Toledo elaborou uma grande parte daquele poema que é um dos mais belos textos do Nosso Santo, em que descreve poeticamente o seu enamoramento por Deus.

Celebramos no próximo dia 14 a Solenidade de São João da Cruz. Nasceu provavelmente no dia 24 Junho, já que então era costume dar às crianças o nome do santo ou santa que nesse dia se celebrava, no ano 1542, em Fontiveros, uma pequena aldeia pertencente ao então Reino de Castela, em Espanha.
Tinha apenas seis anos quando ficou órfão de pai, e nove anos, quando com a mãe e o irmão Francisco, à procura de pão e de maior “fortuna” se mudou para a cidade de Medina del Campo, então um grande centro comercial, devido às suas afamadas feiras. Foi nessa localidade, diríamos, onde foi crescendo a sua vocação, num ambiente de muitas privações, e entrega aos estudos fora de horas. A sua dedicação fez com que um benfeitor o ajudasse prosseguir os seus estudos, e assim aos 17 anos, entrou para um colégio da Companhia de Jesus (Jesuítas) para estudar humanidades.
No ano de 1563 toma o hábito na Ordem Carmelita, mudando o nome de baptismo de João de Yepes, para de Frei João de São Matias. Após o ano de noviciado mudou-se para Salamanca, para na sua famosa Universidade, estudar Teologia. Foi ordenado sacerdote e em 1567 e nesse conheceu, em Medina del Campo, Teresa de Jesus, de quem se tornou grande amigo e admirador. E a mesma sugeriu-lhe, e desafiou-o, a ser o reformador dos Carmelitas, como ela o tinha feito com as monjas, o pai dos Carmelitas Reformados ou Descalços.
Assim, em 1568 o nosso Santo, funda, em Duruelo, o primeiro convento dos Carmelitas Descalços, mudando o nome para Frei João da Cruz. Em Duruelo praticavam a contemplação e uma intransigente austeridade, que, inclusive, Santa Teresa de Jesus se sentiu na obrigação de intervir, para que atenuassem tais rigores, obrigando-os a usar sandálias, pois antes andavam mesmo descalços!
Apesar de tudo, esses primeiros anos foram os mais saborosos de São João da Cruz, mas como ele tinha escolhido a cruz para juntar ao seu nome, a mesma será durante o resto da sua vida uma constante companheira, ainda que salpicada de muitos alegres e saborosos momentos.
Poucos anos depois, em 1577, procurando travar a sua reforma, é acusado do delito de grave rebeldia, é preso e levado para o cárcere do convento carmelita de Toledo. No entanto, no seu minúsculo e escuro aposento conventual de Toledo, nasceu a composição da sua obra-prima o “Cântico Espiritual”, que será refeito e completado quando conventual em “Los Mártires”, e confessor das Carmelitas Descalças de Granada.
O “Cântico Espiritual”, que parece uma glosa de um dos livros da Bíblia, o Cântico dos Cânticos, outra coisa não é do que a uma autobiografia de São João da Cruz. Ele foi uma enamorado, um apaixonado de Deus, e narra a sua saga à procura do seu Amado.
Em correlação com o “Cântico Espiritual, também, se devem colocar outras das suas poesias, como a “Noite Escura” e “Chama de Amor Viva”.
Como confessa o nosso Santo, a poesia é muito mais eloquente do que a prosa, pelo que não se dispensou de, em longos escritos, comentar as suas poesias, que se converteram em pérolas da mística e manuais para quem quer enveredar pelos caminhos da santidade, da união com Deus, mesmo aqui na terra.
Aqui transcrevemos três estrofes que nos mostram como São João da Cruz era um autêntico poeta enamorado... de Deus:

Em uma noite escura
Com ânsias, em amores inflamada
Ò ditosa ventura!
Sai sem ser notada,
‘Stando já minha alma sossegada

Onde é que tu, Amado
Te escondeste deixando-me em gemido?
Fugiste como o veado,
Havendo-me ferido;
Clamando eu fui por ti; tinhas partido!

Buscando meus amores
Irei por esses montes e ribeiras
Nem colherei as flores,
Nem temerei as feras
E passarei os fortes e as fronteiras.

nº 732 I 13 Dezembro ‘09

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