domingo, 30 de março de 2008

O medo não dá bons frutos!


Por escolha do Ressuscitado, o dia dos cristãos, aquele em que reúnem, é o primeiro da semana. É o Domingo, é o dia do Senhor! Esse é o dia em que nos encontramos e todos somos encontrados por Jesus. Segundo os relatos dos Evangelhos não é o Senhor que reúne os seus discípulos após a sua morte, mas que lhes aparece estando eles previamente reunidos.
Qual a força poderosa que levou os discípulos de Jesus a congregar-se após a Sua morte? O medo. Foi o medo e a memória das refeições que haviam comido com Ele. No dia da Ressurreição os discípulos estão de novo reunidos, embora alguns estejam já dispersos e afastados. Mas a verdade é que a reunião medrosa à volta duma mesa de refeição vai-se, pouco a pouco, convertendo em sinal da presença nova do Ressuscitado.
O medo é uma constante da vida humana. E também na vida dos que vivem da fé. Os indivíduos e as comunidades temem os perigos e mais os temem se eles lhes podem tirar a vida. Sempre assim foi. Ao longo dos Evangelhos o medo irrompe várias vezes em cena e atemoriza poderosamente a comunidade dos discípulos. Porém, medo algum se assemelha ao que a tragédia do martírio de Jesus provocou no pequeno rebanho dos seus seguidores. A cobardia que é uma mistela que inclui o medo como ingrediente levou Pedro negá-l’O; a ganância que é o medo de tudo perder levou Judas a trai-l’O; O medo puro e simples e a desorientação afugentaram os demais monte abaixo; apesar do medo José de Arimateia acede à presença do governador Pilatos para lhe pedir o corpo do seu Mestre a fim de o sepultar. Mas por medo não revela que é discípulo de Jesus.
A fúria da estupidez, do ódio e da morte torturaram o corpo de Jesus e rasgaram o seu coração. Morto o pastor, as autoridades assustaram sem dificuldade o rebanho dos discípulos, irromperam por ele adentro e todos se dispersaram ou encolheram cobardemente. À volta d’Ele, mesmo depois de imóvel e morto só ficou um menino e um piedoso punhado de mulheres. Alguns discípulos fugiram regressando ao passado, seja o de Emaús seja o da Galileia; outros encarceraram-se voluntariamente no Cenáculo, a casa do medo, trancada com trancas que só um, o Ressuscitado, saberá soltar.
Eis os frutos do medo: cobardia, desânimo, fuga, negação, regressão ao passado, frustração e auto-reclusão. E medo. E sempre o medo. Simplesmente o medo e a paralisia. Frutos bem amargos estes, bem amargos porque demasiado humanos. Só humanos e desencarnados de esperança. O Ressuscitado não merece aqueles frutos! O Redentor cujo corpo foi dado em oblação como fruto belo e agradável à sua Igreja, não merece frutos tão fracos e tão amargos.
Mas é o que lhe oferece a Primeira Igreja!
Eram bem justos os motivos para se sentirem atezanados pelo medo: a perseguição era tão real que rebentou como um tufão, embora o Mestre os tivesse prevenido de que o mundo os perseguiria, porque O perseguira a Ele. Perante as evidências tinham medo, e já nenhum coração recordava as Suas palavras na Última Ceia: «Não se perturbe nem se acobarde o vosso coração.»
O medo também leva à perda da memória... Talvez não toda, mas concerteza à vacilação sobre as palavras que melhor poderiam alentar. O tolhimento é tal (e não se diga só da Primeira Igreja, mas da de muitos momentos da história da Igreja) que tem de vir de fora do medo a força que o espante e rebente com os ferrolhos tão convicta e medrosamente fixados às portas, porque as portas do medo só podem ser estilhaçadas por Quem é vencedor da causa do medo!
E assim é que, Jesus, o Vencedor, se apresenta no meio dos discípulos, saudando-os na paz, a paz que eles já conheciam, pois lha confiara na Última Ceia. Eles sabem que a paz do Ressuscitado é a do Jesus de Quinta-feira Santa, porque Ele prometera que a sua não era uma paz como a do mundo. E juntamente com a paz mostrou-lhes as marcas dos cravos e o Lado aberto: e ali estava Quem estivera na cruz e sucumbira às garras da morte! Era Ele, não podia ser outro.
E encheram-se de alegria ao ver o Senhor!
E tudo mudou! Renasceu a ilusão e a esperança no coração daqueles que se tinham alimentado dos amargos frutos do medo. Se Jesus ressuscitara — e eles viam-n’O ressuscitado!— então, começara a Nova Humanidade, porque pela sua ressurreição nascemos para uma esperança viva, para uma herança que não se corrompe.
Acabara o tempo dos frutos amargos que alimentam homens fracos e produzem gerações raquíticas. Foi inaugurado o tempo da humanidade que não morre, ainda que sujeita às tribulações próprias dos caminhos da fé e às resistências dos que se escandalizam com a proposta do Evangelho: então não é que muitos, que, porque só se alimentam dos frutos do medo, não compreendem nem aceitam uma humanidade nova e livre, que vai a caminho da vida sem fim?
E como é difícil oferecer-lhes dos frutos da alegria da Ressurreição!

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