quinta-feira, 1 de maio de 2008

Mãe

Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas
que ainda não viajei!
Traz tinta encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de sangue verdadeiro, encarnado!
Eu ainda não fiz viagens
e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar.

Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa.
Depois venho sentar-me a teu lado.
Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens,
aquelas que eu viajei,
tão parecidas com as que não viajei,
escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe!
Ata as tuas mãos às minhas
e dá um nó-cego muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa.
Eu também quero ter um feitio,
um feitio que sirva exactamente para a nossa casa,
como a mesa. Como a mesa.

Mãe!
Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça
é tudo tão verdade!

(Almada Negreiros)

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