sábado, 19 de fevereiro de 2011

A NOVIDADE DO REINO

Todos sabemos que o homem é um ser ávido de vingança. O nosso instinto estimula-nos a cobrar “com juros” o mal que nos fazem. Nesse sentido a Lei de Talião apresenta-se-nos  como  uma revolução no âmbito forense. Há pessoas, sedentas de justiça, que desejariam que a mesma fosse aplicada, pois tantos são os atropelos dos nossos  Juízes e tribunais...
Mas Jesus hoje convida-nos a pôr em prática não a justiça da vingança mas a justiça do amor!


O texto das Bem-aventuranças, que lemos há alguns domingos, se por um lado era para alguns uma mensagem reconfortante, a outros poderia parecer uma apologia aos fracos, aos miseráveis e indigentes, aos que nada fazem e aos indolentes convidando-os a permaneceram num estado de dependência…
Para evitar qualquer equívoco, Jesus indica-lhes uma missão: ser “sal da terra” e “luz do mundo”, acrescentando como devem levar a cabo essa missão. Bem-aventurados são os que vivem em plenitude os preceitos de Deus, são aqueles que não se limitam a cumprir externamente umas normas, mas que vão muito além, sentindo-se felizes por não o consentirem nem mesmo em pensamento!
No entanto, no trecho do Evangelho deste Domingo, Jesus diz-nos que nem tudo o que está permitido (antes falou-nos do que estava proibido) deve ser levado a cabo!
E o Mestre retoma a conversa, dizendo: “Ouvistes o que foi dito aos antigos Olho por olho e dente por dente”. Esta afirmação alude à lei de Talião, que se pode ler nos livros do Êxodo, Levítico e Deuteronómio. A  lei de Talião pertence ao direito penal e consiste em aplicar ao  delinquente um dano igual ao que causou a outrem. Responde a situações socioculturais em que a justiça recai na esfera do privado, introduzindo um critério de objectividade na aplicação da mesma justiça.
No entanto, a lei de Talião, olho por olho dente por dente, mais que inspirar vingança pretende impor a justiça. Perante um sistema anárquico de vingança pessoal indiscriminada, muitas civilizações antigas, e não só o povo hebraico, estabeleceram o princípio moderador de Talião: que a medida do castigo correspondesse à medida do dano causado, sem excedê-la com “juros”: roubaste cem, restituirás cem. 
A lei de Talião, que continua subjacente nos actuais códigos penais das sociedades mais avançadas, não é definitiva nem suficiente para instaurar o Novo Reino, pois é desacreditada por Jesus.
Ante o recurso legal como meio dissuasor, Jesus oferece a alternativa superior de um desarme do coração e do espírito com capacidade para renunciar a todo tipo de compensação. 
Em primeiro lugar Ele enuncia o princípio general: não fazer frente ao agressor, isto é, não recorrer à violência. 
Mas como se isso não bastasse, o que já muito fere o nosso amor-próprio, Jesus vai mais longe, exigindo um comportamento que até nos pode chocar.
Assim diz que a quem nos bater numa das faces, não devemos reagir prontamente, procurando restituir-lhe a bofetada; pelo contrário, devemos virar a cara para que ele possa dar um estalo na outra face! Mas se isso não bastasse, diz Jesus que se alguém quiser levar-te a tribunal, acusando-te de teres roubado a túnica (era a peça de roupa interior), dá-lhe não só a túnica, mas também o manto, ou seja dá-lhe toda a roupa, mesmo que fiques nu!
Mas as novidades do Reino não se ficam por aqui. Os romanos, que então ocupavam a Palestina, seguindo uma prática dos persas, requisitavam pessoas e animais para realizarem serviços públicos. Assim obrigavam os judeus a carregar os seus fardos na distância de uma milha. Era um serviço humilhante e esclavagista, mas Jesus, para desencanto dos seus ouvintes convida-os não só a aceitar essa humilhação mas a oferecerem-se para fazer o dobro da viagem!
E como se tudo isso na bastasse, a última consideração de Jesus ainda nos deixa mais perplexos. A Lei de Moisés mandava amar o próximo. No entanto, os judeus, na prática, só se sentiam obrigados a amar os que professavam a sua fé, pelo que os demais não eram seu próximo. Mas Jesus manda amar a todos, propondo a superação do conceito de inimigo baseando-se na acção do Pai, que desconhece absolutamente esse conceito, pois todos são seus filhos.
O discípulo de Jesus deve ser diferente dos demais, pois deve aspirar ser perfeito como  é perfeito o  mesmo Deus! 
Ser cristão é situar-se no  espaço que se abre para mais além da lei, mais além do que nos é mandado e do que nos é proibido. Só assim podemos criar um mundo melhor!


Chama n.º 784 | 20 Fevereiro ‘11

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