sábado, 19 de março de 2011

A TRANSFIGURAÇÃO E A PAIXÃO

O Evangelho deste Segundo Domingo da Quaresma narra-nos o episódio da Transfiguração. Jesus já tinha mostrado sobejamente  o seu poder  taumatúrgico, e pregava com autoridade, pelo que  nos poderia parecer desnecessára a Transfiguração.  No entanto Ele achou importante mostrar a sua grandeza para que os Apóstolos não vacilassem  diante da sua Paixão que estava para acontecer. 

O segundo Domingo da Quaresma é chamado o Domingo da Transfiguração, pois todos os anos lemos um trecho do Evangelho que nos narra este episódio.
O trecho que  São Mateus nos oferece neste Domingo é  precedido pelo primeiro anúncio da paixão. De facto, em Cesareia de Filipe, Jesus  perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?” Os discípulos lá foram enumerando o que pensavam os homens da pessoa de Jesus. Depois dirigiu a pergunta aos seus companheiros, e Pedro, tomando a palavra disse: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”.
Perante este crescimento na fé, Jesus achou oportuno, dissipar quaisquer dúvidas, esclarecendo-os que tinha de subir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar.  
O anúncio da viagem a Jerusalém, em direcção à cruz, deixou desalentados os discípulos. Eles descobriram a identidade de Jesus, reconheceram n’Ele o Messias, mas têm enormes dificuldades para seguir o seu caminho. Ficam desapontados perante a perspectiva do Calvário. Naturalmente que todos os discípulos ansiavam subir com Jesus a  Jerusalém,  mas  sonhavam  com    uma viagem triunfal!
Neste contexto de medo e incerteza, de dúvidas, Jesus introduz um situação esclarecedora.   Para ajudá-los a superar o escândalo da cruz, faz saborear a três dos seus apóstolos uma antecipação   da ressurreição; para animá-los a “suportar” as trevas ameaçadoras faz brilhar ante os seus olhos um deslumbrante resplendor da futura luz. 
Assim acompanhado de Pedro, Tiago e João, sobe a um alto monte. A montanha é, por excelência o símbolo da proximidade de Deus, e também é o lugar habitual das  revelações divinas. Eis então que se Jesus se transfigura: “o seu rosto ficou resplandecente como o sol e as suas vestes brancas como a luz. E apareceram Moisés e Elias a falar com Jesus […], uma nuvem luminosa os cobriu e da nuvem uma voz dizia: ‘Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência: escutai-O’”.
Do relato da transfiguração para além da imagem resplandecente de Jesus, que nos faz lembrar a figura de Moisés, quando no Sinai, recebia as Tábuas da Lei, devemos ressaltar as personagens que aparecem a falar com Jesus: Moisés e Elias.
Para os judeus Elias era o ideal do profeta, aquele que defende a fé em Javé contra toda 
a idolatria e os falsos profetas, por isso tem o privilégio de se encontrar cara a cara com Deus no monte  Horeb.
Moisés é o libertador, aquele que recebe no Sinai a Lei, e que conduz o povo Hebreu  durante quarenta anos, pelo deserto, ensinando o povo escolhido a ser dócil à voz de Deus.
Moisés e Elias eram, sem dúvidas, as grandes figuras do povo Hebreu, e consequentemente do judaísmo. Mas aquando da Transfiguração, a voz da nuvem, a voz do Pai, revela que doravante, quer Moisés quer Elias  estão ultrapassados, pois somente devemos dar ouvidos, devemos escutar a voz do Filho, a voz de Jesus!
Para Mateus a transfiguração cumpre uma função bem precisa na progressiva revelação do mistério de Cristo e no itinerário da fé do discípulo. Os discípulos já tinham compreendido que Jesus é o Messias e estão persuadidos de que o seu caminho conduz à cruz. Mas, contudo, não conseguem compreender que a sua cruz pode encobrir a glória. Por isso Deus concede-lhes, por um instante antecipar a Páscoa. Porém trata-se de uma antecipação passageira e fugaz; o caminho que temos que percorrer continua ser o caminho da cruz. De facto, os três discípulos predilectos (Pedro, Tiago e João), chamados a ver antecipadamente a glória de Cristo são os mesmos que dentro de algum tempo, no Getsémani, serão chamados a ver sua debilidade. 
A Transfiguração de Jesus é um “remédio”, para  os discípulos enfrentarem a realidade nua e crua da Paixão. Se os apóstolos, no Calvário, sentiram abalada a sua fé, o que teria acontecido se não tivessem contemplado a sua glória no alto do monte? 

Chama n.º 788 | 20 MARÇO ‘11

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