segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Morreu a Glórinha


Morreu a Glórinha. O seu nome verdadeiro era, afinal, Mabília da Glória Pereira. Tinha 94 anos. Não era de Aveiro, vivia perto da cidade. A sua igreja era a nossa Igreja do Carmo. Éramos dela e ela era nossa. Era da Senhora do Carmo de quem era filha.
Conheci-a há quatro ou cinco anos, já velhinha. Mas conhecia serena e ágil, de passinhos curtos e certos. E direita, de sorriso fácil, dois beijinhos e não muitas palavras. Era pobre e por esse bilhete de identidade era conhecida de Deus e de nós.
Dias seguidos, dias e dias a fio, durante as Laudes, pressenti os seus passos a chegar. Passos curtinhos e serenos, almofadados. Não custava nada a arrumar-se. Porque se valia bem era das primeiras a chegar, ainda o portão do adro estava fechado. Fosse tempo de calor, de frio ou de chuva ela vinha. Não faltava nunca. Só faltava ao Domingo porque os transportes públicos também lhe faltavam. Mas tempos houve em que não lhe faltaram pernas para caminhar e vir. E veio sempre.
Era como uma avó velhinha a rezar por nós, e por mim, ali, duas cadeiras à sua frente.
Rezava muito, como sempre rezara. Como sempre soubera rezar!
Não sei muito da sua vida, porque era poupada de palavras. Era duma cepa distinta, daquelas que envelhecem na carne e reverdecem no espírito, porque são mais e cada vez mais de Deus e para Deus.
Quando tomou consciência que as forças se lhe iam aceitou agradecida uma mão, uma ajuda, uma sopinha, uma atenção, uma companhia, um carinho, uma visita, uma flor, uma influência, um telefonema. Confiou-se aos que nada lhe eram pela lei da carne, mas a quem se unira pelos vínculos do espírito de amor.
Morreu quando Deus se dignou chamá-la. Teve para ela desígnios de respeitosa ternura. Cumpriu-se tudo o que desejava, depois duma vida longa.
No funeral, hoje, às onze horas, éramos um punhadinho de amigos espirituais e de parentes afastados. Fomos os três, presidiu o Frei Rui. Ele que todos os dias lhe abria a porta do adro pediu a Deus que não lhe fechasse as portões das mansões da misericórdia.
Foi-se de nós uma velhinha, uma irmã e avó. Fique connosco a sua bênção e oração. Seja para ela a nossa gratidão e para o Pai a nossa acção de graças. Perdoe-lhe Deus os seus pecados e lhe conceda a paz dos justos.
(Obrigado também ao Grupo das Visitadoras que tanto desvelo filial lhe consagraram. Deus lhes pague.)

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