sábado, 5 de janeiro de 2008

O quarto Rei Mago

Que os Reis Magos eram quatro di-lo uma lenda russa.
Depois de avistarem a estrela partiram juntos, do Oriente, levando cada um os seus presentes de ouro, incenso e mirra. O quarto levava vinho e azeite ao lombo duma récua de burritos todos janotas.
Depois de penetrarem no deserto caiu sobre eles uma tal noite tormentosa, que mais não tiveram que descer das cavalgaduras. O quarto Mago como não tinha camelos atrás dos quais se pudesse defender, refugiou-se numa cabana dum pobre pastor. Pela manhã, passada a tempestade, o Mago viu-se diante do seguinte dilema: ou ajudava o bom homem a recolher as ovelhas dispersas e atrasar-se-ia, ou seguia com a caravana. Apesar de não conhecer o caminho e de a estrela não esperar, ficou. Assim mandava o seu bom coração. Como pode apresentar-se diante do Messias um homem que não ajuda os seus irmãos?
Perdeu uma semana a recolher o rebanho disperso. Os companheiros iam longe, demasiado longe, e, juntamente com o pastor, havia consumido parte do vinho e do azeite.
Despediu-se e fez-se ao caminho apressando o passo dos burritos para encurtar distâncias. Por fim, depois de muito caminhar sem rumo, chegou a um lugar onde vivia uma mãe com muitos filhos, e com o marido doente. Eram os dias das ceifas. Eram mais que horas de ceifar a cevada, que ou se colhia ou se perdia para os passarinhos. Estava de novo diante de duas opções: ou ficava a ajudar aqueles pobres (e perderia tanto tempo que definitivamente se perderia dos colegas) ou retomava o caminho. Mas como apareceria diante do Rei Messias depois de abandonar uma pobre mãe e os seus filhos que tanto precisariam daquela colheita para terem pão durante o ano?
Ficou. Ficou a ajudar aqueles pobres irmãos. Ali perdeu várias semanas, pois recolher o grão das sementeiras é trabalho moroso e duro. E mais uma vez teve de abrir os seus alforges para partilhar o vinho e o azeite.
Agora sim, a estrela perdera-se de vez. Apenas se podia socorrer da direcção tomada pelos colegas e dumas mais que difusas pegadas. Seguiu-as, mas bem depressa se deteve para ajudar outros necessitados.
Ao fim e ao cabo perdeu dois anos.
Finalmente chegou a Belém. Não havia ali o ambiente que julgara. Erguia-se antes um enorme pranto. As mães vinham chorar para a rua e com os filhos nos braços. Acabavam de ser assassinados por ordem de outro rei!
O pobre homem não entendia nada.
Se perguntava pelo Messias Rei era olhado com angústia, e logo lhe pediam que se calasse. Finalmente alguém lhe disse que fugira naquela noite para o Egipto. Quis partir para o Egipto mas não conseguiu. Belém estava numa desolação. Deixou-se ficar para consolar todas aquelas mães infelizes. Era necessário enterrar os seus meninos, curar os feridos e vestir os nus. E ficou ali por muito tempo, ao ponto de quase se lhe acabar o vinho e o azeite. Em certa altura, teve até de oferecer um dos seus burritos. A sua carga era quase nula e aquelas pobres gentes precisavam mais dele que ele.
Quando se dirigiu para o Egipto haviam passado anos e gastara quase todo o seu tesouro. Pensou: Certamente o Messias é compreensivo, pois tudo o que fiz fi-lo aos meus irmãos mais pequeninos. E seguiu.
No caminho para o país das pirâmides teve de deter-se muitas vezes. Sempre lhe saíam ao caminho os mais pobres dos pobres, os desgraçados, os necessitados do seu azeite. Aqui dava uma mão; ali precisavam do seu vinho; além do seu azeite.
E, claro, continuava apreensivo com o atraso. Mas o Messias seria certamente muito compreensivo; pois ele apenas se dedicava aos seus irmãos!
Quando chegou ao Egipto verificou que Jesus já não vivia ali. Fora para Nazaré, tinha regressado.
O novo desencontro apenou-o muito, mas não o desanimou. Fizera-se ao caminho para se encontrar com o Messias, e assim haveria de ser. Estava decido a continuar a sua busca apesar de tantos fracassos. Agora tinha poucos burros e um tesouro pequenino. Estava mais ligeiro. Porém, acabaria gastando tudo pois o caminho ainda era longo e muitas as necessidades dos pobres.
A atender um e depois outro passou trinta anos! Demorava-se temporadas a ajudar e depois outro tanto perscrutando as pegadas do Messias que nunca tinha visto, mas por causa de Quem tudo gastara até a sua vida.
Soube por fim que o Messias subira a Jerusalém para ali morrer. Decidiu-se em consequência a encontrá-l’O, custasse o que custasse. Numa madrugada albardou o único burriquito que lhe restava. De vinho tinha quase nada, de azeite também. Na bolsa levava duas moedas de prata. Seguiu para Jericó e dali para Jerusalém. Para não se enganar no caminho perguntou a um sacerdote e a um levita, que eram mais rápidos que ele e rapidamente lhe tomaram a dianteira.
Caiu a noite. Seguiu caminhando. No meio da noite ouviu uns queixumes vindos da berma. O tempo urgia e por isso pensou também ele em passar ao lado, como tinham feito os outros dois. Mas o seu coração era bom e tolheu-lhe os passos. Deteve o burro, desceu e descobriu por entre o breu da noite um homem ferido e muito maltratado. Não pensou duas vezes, foi-se ao burro e abriu o último resto de vinho e com ele limpou as feridas. Com o último azeite untou as ligaduras feitas da sua camisa e vendou-lhe as feridas. Pegou nele e carregando no burrito levou-o até uma pousada.
(Escusado será dizer que teve de desviar-se do caminho que levava...)
Ficou o resto da noite cuidando-o. Pela manhã entregou ao dono do albergue as duas moedas de prata para pagar os tratamentos em falta. Deixou também o burrito para o que fosse necessário. O que faltasse logo pagaria no regresso.
E seguiu a pé. Ia só, velho, cansado e esfarrapado.
Ao chegar a Jerusalém já quase não tinha forças. Era o meio dia duma Sexta-feira antes da Páscoa. No ar havia enorme agitação e a multidão andava excitadíssima. Todos comentavam com todos o que acabava de suceder. Os que regressavam do Gólgota comentavam que Jesus agonizava ali na Cruz.
Chamando a si todas as forças o quarto Rei Mago arrastou-se monte acima. Era como se carregasse uma cruz enorme feita de anos e anos de cansaços e caminhos.
Por fim chegou.
Elevou o olhar para o agonizante, e, suplicante, lhe disse:
— Perdoa-me, pois cheguei demasiado tarde.
E desde a cruz soou uma voz que disse:
— Hoje estarás comigo no Paraíso.

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