sábado, 2 de fevereiro de 2008

QUARTA-FEIRA DE CINZAS (V)


8 de Fevereiro
21:00 Igreja do Carmo de Aveiro
VIGÍLIA PENITENCIAL JOVEM


Quem vive na opulência e não reflecte
é semelhante aos animais que são abatidos.
(Salmo 49:21)


Se a palavra perdida se perdeu, se a palavra usada se gastou
se a palavra inaudita e inexpressa
inexpressa e inaudita permanece, então
inexpressa a palavra ainda perdura, o inaudito Verbo,
o Verbo sem palavra, o Verbo
nas entranhas do mundo e ao mundo oferto;
e a luz nas trevas fulgurou
e contra o Verbo o mundo inquieto ainda arremete
rodopiando em torno do silente Verbo.

Ó meu povo, que te fiz eu.

Onde encontrar a palavra, onde a palavra
ressoará? Não aqui, onde o silêncio foi-lhe escasso
não sobre o mar ou sobre as ilhas,
ou sobre o continente, não no deserto ou na húmida planície.
Para aqueles que nas trevas caminham noite e dia
tempo justo e justo espaço aqui não existem
nenhum sítio abençoado para os que a face evitam
nenhum tempo de júbilo para os que caminham
a renegar a voz em meio aos uivos do alarido

rezará a irmã velada por aqueles
que nas trevas caminham, que escolhem e depois te desafiam,
dilacerados entre estação e estação, entre tempo e tempo, entre
hora e hora, palavra e palavra, poder e poder, por aqueles
que esperam na escuridão? Rezará a irmã velada
pelas crianças no portão
por aqueles que se querem imóveis e orar não podem:
orai por aqueles que escolhem e desafiam

Ó meu povo, que te fiz eu.

Rezará a irmã velada, entre os esguios
teixos, por aqueles que a ofendem
e sem poder arrepender-se ao pânico se rendem
e o mundo afrontam e entre as rochas negam?
No derradeiro deserto entre as últimas rochas azuis
o deserto no jardim o jardim no deserto
da secura, cuspindo a murcha semente da maçã.

Ó meu povo.

T. S. Eliot (1888-1965)
Tradução de Ivan Junqueira

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