sexta-feira, 25 de junho de 2010

EXIGÊNCIAS DE UMA VIAGEM


Ser discípulo de Jesus, embora tenha as suas exigências e muitas dificuldades, não é uma coisa de heróis. Segui-l’O está ao nosso alcance, aliás, como esteve ao alcance de tantos e homens e mulheres que ao longo de vinte séculos souberam fazer do Evangelho de Cristo a sua cartilha de vida.

O trecho do Evangelho que hoje nos é oferecido marca o início de um longo caminho de Jesus que só termina no insondável encontro com o Pai. Todo o caminho tem, naturalmente, um trajecto material, mas o caminho que Jesus percorre até Jerusalém, é sobretudo um arquétipo, um modelo, no qual São Lucas vai expondo traços da peregrinação de todo o discípulo de Cristo.
O trajecto começou certamente na Galileia, onde durante alguns anos Jesus calcorreara os caminhos das terras confinantes com o lago de Genesaré, e algumas incursões em terras pagãs, como Tiro e Sidónia, Decápole, entre outras. O destino era Jerusalém, onde eram apedrejados e mortos os profetas.
A cena que queremos comentar tem lugar num lugar de Samaria, cujo nome é ignorado por Lucas. Samaria era a região situada entre a Galileia ao norte e Judeia, com capital Jerusalém, ao sul. Convém recordar que as relações entre judeus e samaritanos não eram precisamente as mais cordiais. Os samaritanos eram judeus de categoria inferior: tinham criado tradições próprias e só aceitavam os cinco primeiros livros da Bíblia, o denominado Pentateuco, e além disso tinham um templo próprio.
Tomara Jesus a decisão de se dirigir a Jerusalém, e mandara mensageiros à sua frente. Estes puseram-se a caminho e entraram numa povoação de samaritanos, a fim de encontrarem uma casa onde se pudesse hospedar o Mestre. No entanto aqueles samaritanos não os quiseram receber porque iam a caminho de Jerusalém, a capital da região dos seus inimigos de estimação.
Feridos no seu amor próprio de judeus, Tiago e João recordam a Jesus uma velha tradição judaica que falava do extermínio de uns samaritanos no tempo do profeta Elias, e eles estavam dispostos a fazer outro tanto: “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?” Mas Jesus voltou-se e repreendeu-os. E continuaram viagem para outra povoação.
Mas o caminho como traçado geográfico continua, porque o que realmente importa é a vontade do seguimento. E se aqueles samaritanos não quiseram acolher Jesus outros homens estão dispostos a acolhê-l’O. Alguém oferece-se para O Seguir, mas Jesus responde-lhe: “As raposas têm as suas tocas e as aves do céu os seus ninhos”. A um outro é o próprio Jesus que lhe diz: “Segue-Me”, mas este pede a Jesus pede-Lhe que deixe primeiro sepultar os pais, o que não é consentido pelo Mestre. E Finalmente um terceiro, disposto a ser discípulos de Jesus pede-Lhe somente que o deixe despedir da família, ao que Jesus contesta: “Quem tiver deitado as mão ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus”.
Como podemos ver o caminho que nos é proposto a percorrer é simplesmente o caminho da vida cristã e não o da vida consagrada. Devemos lembrar que Lucas dedica o seu Evangelho a Teófilo, que quer dizer amigo de Deus. Cada cristão é um “Teófilo”. Já é tempo de devolver à vida cristã a perfeição que requer, pois a perfeição não deve um exclusivo da vida consagrada, como tantas vezes pensamos. Isto seria criar classes de cristãos, e simultaneamente desvirtuar o Evangelho.
O cristão, ao olhar à a sua volta, vê outros caminhantes que não são cristãos. E em certas ocasiões estes até se metem connosco, chegando inclusive à chacota e à rejeição, e até nos provocam, e por vezes à semelhança de Tiago e João, até desejaríamos extermina-los, tendo a tentação de também implorar a “ira divina”, para que lançasse chamas de fogo, ou qualquer outra calamidade e os destruísse, sem deixar rastos, mas Jesus diz-nos: “Segui o vosso caminho!”, pois só assim poderemos construir um mundo com novos valores, que como um pouco de fermento deve levar toda a humanidade.
Ser discípulo de Jesus, embora tenha as suas exigências e muitas dificuldades, não é uma coisa de heróis. Embora a atitude que teve com aqueles três homens que pretendiam segui-l’O pareça demasiado radical, e eu até diria mesmo, desumana, está ao nosso alcance, aliás, como esteve ao alcance de tantos e homens e mulheres que ao longo de vinte séculos, na sua simplicidade souberam fazer do Evangelho de Cristo a sua cartilha de vida.

nº 760 I 27 junho ‘10

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