sábado, 2 de abril de 2011

A CEGUEIRA E O PECADO

Um dia Jesus encontrou no caminho um cego de nascença. Os judeus de então viam na cegueira, bem como nas demais doenças, um castigo de Deus. Na curiosidade de cada dia, os díscipulos perguntaram a jesus: “Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?”. A resposta de Jesus foi clara: “Isso não tem nada a ver com os pecados dele ou dos pais!”
Não é o pecado que nos faz nascer cegos, mas é o pecado que nos torna cegos, impedindo-nos de ver Cristo, a Luz do Mundo!  


O  IV Domingo  da Quaresma era famoso, por diversos motivos: é o Domingo “Laetare”, como antes era conhecido , porque anuncia a proximidade da Páscoa, pois já percorremos mais e metade da  Quaresma;  é o segundo domingo dos escrutínios, segunda etapa da grande experiência de exame interior e renovador que todos estamos chamados a realizar, em solidariedade com os candidatos ao baptismo, mesmo sabendo que estes não existem nas nossas comunidades, mas presentes noutras comunidades eclesiais, e finalmente porque é o Domingo da Luz, pelos que em algumas comunidades se prepara hoje o Círio pascal, como um elemento mais desta alegria precursora da Noite Santa da Vigília Pascal.
Esta denominação deriva do facto de neste ciclo A lermos o trecho do evangelho de João que nos narra a cura de um cego de nascença!
Tudo começou numa viagem, quando Jesus, e aqueles que O seguiam, encontraram no caminho um cego. Sempre, mas muito mais no tempo de Jesus, o cego é uma pessoa que, pelo seu defeito físico, carece de autonomia; é um homem que em determinados momentos necessita dos demais; um ser, numa palavra, dependente. 
Para os judeus a cegueira, bem como todas as doenças e outras maleitas eram a consequência do pecado. Acontece que aquele homem era cego de nascença, e aquilo fez pensar os discípulos: se uma criança nasce cega necessariamente alguém pecou! Então eles, querendo ser elucidados perguntam a Jesus: “Mestre, quem pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?”, e Jesus contestou-lhes: “Isso não tem nada a ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu para se manifestarem nele as obras de Deus […] enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo”. 
Assim Jesus deita por terra a teoria da retribuição tão enraizada na mentalidade judaica: as doenças não são um castigo de Deus!
Pelo contrário, Jesus, enquanto enviado do Pai vem dar resposta e libertar do mal todos os que sofrem, como provou dando a vista ao cego de nascença, convertendo-o num homem completo e livre. Doravante não necessitará de outro homem que o guie pelas sinuosas quelhas e vielas, e já não será preciso que uma mão misericordiosa ponha na sua mão estendida uma esmola. O cego do Evangelho converteu-se, por obra e graça de Jesus, num novo homem que agora pode caminhar sozinho.
É interessante recordar o método utilizado por Jesus para dar a vista àquele cego: “cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lama e ungiu os olhos do cego”, e depois mandou-o lavar-se às piscinas de Siloé. Certamente esse seria um ritual usado então pelos curandeiros de outrora, mas esses gestos fazem igualmente recordar a criação do primeiro homem, em que Deus da terra modela o homem, soprando-lhe depois nas narinas, para que se tornasse vivente, e assim o cego de nascença tornou-se um homem novo.
O cego de nascença recorda-nos todo o homem que se deixa levar pelo pecado. O cristão no baptismo recebeu a Luz de Cristo. No entanto, a experiência ensina-nos que a luz também se pode extinguir: uma fogueira à qual não juntemos, de vez em quando, um pouco mais de lenha, acaba por se apagar; uma lâmpada quando há um excesso de voltagem, ou com bastante tempo de uso acaba por se fundir!
O mesmo acontece com cada um de nós. De facto, recebemos a luz no Baptismo, e víamos perfeitamente. No entanto, por desmazelo ou má vontade fomos, pouco a pouco, deixando apagar a luz que nos iluminava, e fomos deixando de ver, fomos ficando cegos.
É verdade que hoje quando vemos um pobre cego andrajoso, a pedir, não ficamos indiferentes, e o nosso coração solidários até nos convence a dar-lhe uma pequena esmola, pois mais não nos é possível fazer, pois se tivéssemos poderes taumatúrgicos, certamente não hesitaríamos a fazer um milagre, isto é a restituir-lhes a visão. 
Pena é que tenhamos comiseração  daqueles que padecem  de cegueira,  e não tenhamos pena de nós mesmos que, deixando-nos cegar pelo pecado, sendo impedidos de contemplar Jesus, a Luz do Mundo!  

Chama n.º 790 | 03 Abril ‘11

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